DECISÃO STJ - DÚVIDA SOBRE PERMISSÃO DO MORADOR PARA BUSCA DOMICILIAR LEVA SEXTA TURMA A ABSOLVER ACUSADO DE TRÁFICO:
A Sexta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, havendo dúvidas entre a versão
da polícia – que diz ter sido autorizada a ingressar na residência – e a do
morador – que diz ter sido induzido em erro pelos agentes –, deve prevalecer
esta última. Como não foi comprovada a alegada permissão espontânea do morador,
o colegiado reconheceu a ilegalidade das provas supostamente colhidas na
diligência e concedeu habeas corpus para absolvê-lo da acusação de tráfico de
drogas.
Em seu depoimento, o
acusado relatou que estava em casa quando foi surpreendido pela chegada de
policiais militares, que afirmaram estar procurando um assaltante e lhe pediram
para abrir o portão. Segundo ele, após atender ao pedido, os policiais passaram
a procurar drogas na residência, mas – afirmou – não teriam encontrado nada.
Por outro lado, os
policiais narraram que, após denúncia recebida pela central, foram ao local e
viram o réu saindo de motociclo com um revólver. Ao ser informado da denúncia,
ele teria admitido haver drogas em casa e autorizado a entrada dos agentes,
permitindo que fossem encontrados alguns tabletes de maconha e porções de cocaína.
Três pessoas estariam ali negociando os entorpecentes.
Em primeira e
segunda instâncias, afastou-se a alegação de nulidade da prisão em flagrante e
das provas por falta de mandado judicial, sob o fundamento de que a manutenção
de drogas em depósito é crime permanente, o que autoriza o flagrante enquanto a
prática criminosa perdurar.
Invasão sem mandado exige amparo em
fundadas razões
O relator do habeas
corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz, recordou que a inviolabilidade de
domicílio é direito fundamental previsto constitucionalmente e que, segundo o
entendimento unânime da Sexta Turma, não se admite que a mera constatação de
situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique sua violação.
Ele destacou que o
Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 603.616, com repercussão geral, decidiu que o
ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é lícito quando amparado
em fundadas razões, com lastro em circunstâncias objetivas, que indiquem que
dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente e de nulidade das provas
obtidas.
"Se o próprio
juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim
mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos
autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança
pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva,
entrar de maneira forçada na residência de alguém", afirmou o ministro.
Consentimento do morador para ingresso na
residência precisa ser voluntário
No caso dos autos,
Schietti salientou que o ingresso no domicílio foi amparado tão somente em
denúncia anônima recebida pela polícia e em suposta autorização dada pelo réu.
"Não houve
referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Não se
fez menção a nenhuma atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos,
tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Ao que
tudo indica, não foi realizada nenhuma diligência prévia para apurar a
veracidade ou a plausibilidade da denúncia recebida pela polícia",
acrescentou.
O relator ressaltou
que, conforme a jurisprudência do STJ (HC
598.051),
o consentimento do morador, em tais situações, precisa ser voluntário e livre
de qualquer constrangimento.
"A prova da
legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência
do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com
declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar,
indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação
deve ser registrada em áudio-vídeo", declarou Schietti.
Na dúvida, prevalece a versão do morador
Levando em
consideração que a falta de gravação deixa dúvidas sobre o que realmente
aconteceu, e que as exceções em matéria de direitos fundamentais são
interpretadas restritivamente, o ministro concluiu que a versão do morador deve
prevalecer sobre o relato "pouco crível" apresentado pela polícia.
Para o magistrado, a
indução do morador em erro pelos agentes invalida sua manifestação por vício de
vontade. Ele observou ainda que, embora se deva presumir a veracidade das
declarações de um servidor público, não é possível ignorar a existência de
abusos frequentes na condução de diligências policiais.
Os meios empregados
na investigação – acrescentou o relator – "devem, inevitavelmente,
vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal.
Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justifica o alcance
dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas
e democráticas".
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
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